segunda-feira, 30 de maio de 2011

Direto da "Quebrada"

Banda inspirada pela Black Music conquista espaço na Virada Cultural, mas se decepciona com a organização do evento

por Patrícia Costa Freire



Na luta da Cultura Negra pela conquista de espaço é impossível não notar a importância das manifestações artísticas. Com o gospel, o Blues e o Jazz, cantores como James Brow, Marvin Gay e Ray Charles levaram para rádio a música negra. Com ela começou a desenvolver um novo estilo musical, conhecido como Black Music. Diversas partes do mundo sofreram influência desses ritmos. No Brasil, temos o Funk, o Rap, o Samba e o Hip Hop.
Mesmo com a contribuição do movimento para valorização da raça negra, o preconceito ainda é forte em vários lugares, a diferença é que hoje, ele se estende a classe social. No Brasil, a desigualdade exclui a maior parte da população, e impede as áreas periféricas de ter acesso a arte.
Nesse cenário, diversas manifestações culturais ocorrem para revelar o lado forte de pessoas que, apesar de menor poder aquisitivo, possuem a consciência do poder de mudar a realidade. Assim, surge a banda Preto Soul, na zona Sul da grande São Paulo, influenciada pelos artistas da Black Music dos anos 60 e de brasileiros como Ed Mota, Racionais Mc's, O Rappa e o Black Rio. A banda tem o objetivo de resgatar essas origens, valorizar a música negra e o modo de viver da periferia.
Formada em 2004, com o nome de Sintonia Fina, o vocalista Guinão (Wagner de Oliveira) e o baixista Claudinho buscavam rememorar as lembranças de infância e da adolescência. Com a entrada dos integrantes Baltazar e Hugo surge o Preto Soul, em 2005. Atualmente é constituída pelos vocais Wagner Oliveira (Violão), Baltazar Honório, Dêssa Souza e os instrumentistas: Sandro (Guitarra), Claudinho (Contrabaixo), Ray Estevão (teclado), Fábio Vêio (Trompete e Flugelhorn) e Sidney Teixeira (Sax Alto).
Com estilo Funk-Soul-Black-Rap, suas letras falam de amor, perdão e não têm medo de causar: “Compomos um pouco do mundo que vivemos e nos cerca. Às vezes com bom humor, às vezes com amor e paixão e às vezes com um pouquinho de raiva.", diz o vocalista Baltazar Honório.



Vocalista Baltazar Honório:
fonte: Fotos Raíssa Corso 14/05/10 Sacolão das Artes-Pq. Santo Antonio- Sexta Feira.
 As canções relembram a luta dos negros, criticam a desigualdade social e revelam a força dos moradores da periferia perante a construção de uma nova sociedade. Num conjunto variado de batidas e ritmos, o público experimenta várias sensações. Na música Navio Negreiro, a quarta parte do poema de Castro Alves relembra  o sofrimento dos negros africanos “Era um sonho dantesco... o tombadilho, que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros, estalar de açoite. Legiões de homens negros como a noite, horrendos a dançar...”. Já Mil Grau fala da pressa pela chegada do fim de semana, busca esquecer o cansaço diário e convida o público a subir o morro, cantar e dançar “Mil grau! Hoje vai rola pra mim, a noite inteira. Sobe o morro vem dançar, é sexta-feira. Hoje o baile vai rolar...”.
A primeira vez que o Preto Soul participou da Virada Cultural foi em 2005 na Pinacoteca do Estado, como recorda Baltazar. Em seis anos de carreira, a banda já tocou em eventos como Semana de Arte Moderna da Periferia (2007), Mostra Cultural da Cooperifa (2008, 2010). Normalmente, toca em espaços culturais como o “Sarau do Binho” e o “Espaço Clariô”, ambos na Zona Sul.
Banda Preto Soul
 Fonte: http://mistermussumano.blogspot.com/2010/07/outras-do-preto-soul.html
Para apresentação deste ano, na Virada Cultual, foi reservado o palco da Santa Ifigênia, denominado Cultura Periférica. A banda fechou a Virada. Entrou com quarenta minutos de atraso, por problemas técnicos e tocou durante uma hora. Honório ficou decepcionado com a produção do evento: “Houve problemas técnicos durante todos os shows, o que nos fez ter a certeza de que quando se trata de bandas sem expressão ou de periferia, a produção é feita com displicência”. Ainda assim, completa: “Tocar na Virada é sempre muito significativo. Sabemos que é uma ótima janela e mesmo com o som ruim ainda fica bom”.
O Preto Soul iniciou a apresentação e o público deixou-se contagiar pelo som dançante, hora Funk, hora Rap, Hip Hop, e às vezes na mesma música a mistura de tudo.   Inicialmente pequeno, ficava cada vez maior e atento a banda. Para Honório, a recepção das pessoas foi além do esperado, já que admite não criar muitas expectativas pelo fato de ainda não terem uma caminhada expressiva.
A virada cultural reúne artistas de vários lugares da cidade, numa mistura de estilos, bandas musicais, grupos e companhias de dança, de teatro, de cinema etc. Enquanto alguns  já são consagrados pelo público, outros estão, aos poucos, conquistando espaço. O fato do Preto Soul ter a oportunidade de levar  sua música para um público maior, não impede  o vocalista  de criticar outros artistas por obterem sucesso rápido. Honório questiona se cantores como Luan Santana estariam no  lugar que ocupa no momento se tivessem a mesma origem que o Preto Soul “Dos meus 5 anos para cá vi muitos piores que eu fazendo música ou novela por um padrão de beleza e outras coisas mais”, observa.
Embora com alguns anos de experiência na virada, o Preto Soul não esquece sua origem. Durante o show, frases como “É nois e depois de nóis, é nóis de novo” e “Orgulho de sermos quem somos, de vir de onde viemos e esperança de chegarmos onde queremos” são ditas do início ao fim, para mostrar que o Preto Soul é uma banda da quebrada e para quebrada. Segundo Honório, a interação que houve entre o público e a banda na Virada este ano provou que estão no caminho certo: “Nós temos esperança de chegar onde queremos, porque sabemos que somos bons no que fazemos e mesmo sem aval de mídia ou o que quer seja, lutamos para provar que somos capazes. Aqui ninguém quer sucesso. Apenas queremos viver de música (boa) e ser respeitado por ter lutado a vida toda para provar que não seríamos uma banda, na qual, em dois anos ninguém mais lembraria o nome”, conclui.

Show da banda Preto Soul, na Virada 2011.
Foto: Patrícia Freire


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